Visitei a Coreia do Sul em 1993. Numa visita de trabalho, como jornalista.
Seul é uma cidade com muito calor e trânsito. Perde-se imenso tempo em filas.
Prédios enormes servem de referência no meio de um ambiente difícil de decifrar.
A paragem seguinte foi no Palácio Presidencial, Cheongwadae
Um espaço calmo, fora do frenesim da cidade.
Um vasto jardim e o palácio com o tecto azul dá-lhe um outro nome pelo qual também é muito conhecido: “The Blue House”.

Ainda neste dia, 15 de Outubro, foi o momento mais espectacular na Coreia do Sul.
A passagem pelo Paralelo 38, que divide a península coreana aproximadamente ao meio.
É uma zona desmilitarizada com 4 km de largura e 238 km de comprimento.
Como praticamente não está povoada e é desmilitarizada, diz-se que acaba por ser uma reserva natural para várias espécies.
A viagem foi de autocarro.
Depois do rebuliço de Seul, surgem zonas verdes, um espaço mais calmo e rural. Pequenas povoações.
O paralelo 38, mais propriamente Panmunjon, está a 53 km de Seul.
Conforme nos aproximamos da linha divisória, o cenário fica diferente.
É frequente ver carros militares e a estrada tem de passar por várias pontes. Construções de cariz militar para servirem de bloqueio a uma eventual ofensiva norte-coreana.
A via torna-se mais estreita, com canais ou valas de água nas proximidades e cercas de arame.

Surge um vale e lentamente um som estridente. Palavras, palavras ininterruptas que são debitadas dos altifalantes de uma torre que está no lado da Coreia do Norte. A propaganda artesanal.
Não se vêem habitantes locais. Teriam uma vida desgraçada com esta poluição sonora.
Mais próximo de Panmunjon, há vários check points. O controlo é feito por militares da Coreia e dos EUA.
Chegados à zona de demarcação, o ambiente é muito estranho.
Para além das casas azuis de madeira, está um edifício de pedra, alto, com uma longa varanda no topo. Alguns norte-coreanos têm binóculos. Eles estão também a ver a linha pintada no chão e pavilhões em cima.
A linha divide exactamente os pavilhões a meio.

Na esquina, de um lado, um militar está estático. Tem uma das mãos junto à arma. Olha fixamente para o outro militar que se encontra à sua frente. Também ele com a mesma pose e com o mesmo gesto bélico. Não há grandes diferenças entre eles. Apenas na farda.
No meio uma linha escura.
São três pavilhões e a cena repete-se em cada um.
Entre este dramatismo, soldados e oficiais das duas Coreias e dos EUA passeiam com grande à vontade.
No interior dos pavilhões a história não é muito diferente.
A regra é a simetria. Em tudo.
Se nas conversações uma das partes traz um oficial com determinada patente, do outro lado deve haver igual correspondência.
A mesa onde se sentam está proporcionalmente dividida entre a linha imaginária. A mesa é lisa e ao lado tem cadeiras de madeira. O mesmo número e com a mesma disposição em cada um dos lados.
No início, a delegação de um dos lados, trouxe uma bandeira e colocou-a em cima da mesa. A outra recusou. Também tinha de ter bandeira. Trouxe uma mais alta. Novo impasse. Teve de se definir uma regra. Tamanho, colocação… absolutamente igual. O mesmo com microfones e possibilidade de gravação.
Quem nos conta estas histórias é um oficial norte-americano.
Ao mesmo tempo, no exterior, aproxima-se de uma janela um militar e observa atentamente. No outro lado, pouco tempo depois, a mesma cena.
É surreal. A reacção é contraditória. Por um lado, a estupidez humana, com homens em forma de estátua a apontarem uns aos outros o ódio e a ameaça bélica. Por outro lado, dá vontade de sorrir perante a cenografia/coreografia ridícula, pior do que a recriação de um duelo nos westerns.
Esta zona não é de acesso fácil a turistas. No entanto, a partir de Seul há visitas organizadas.
Nessa noite fomos jantar a Myeongdong.
O principal objectivo era aproveitar a oportunidade para compras.
Várias ruas, com lojas de um lado e outro. Muitas das montras com os mais variados produtos.
As de roupa foram as nossas preferidas. A admiração foi para a grande variedade de vestuário em pele.
Não havia muita gente ao final da tarde. À noite até se podia passear com grande facilidade, sem qualquer receio ou incómodo.
Pode ver aqui como era esta zona em 1993. Não tem nada a ver com o ambiente de hoje.

No dia seguinte fomos à Expo 93. Em Daejon (ou Taejeon)
O evento tinha um significado especial para os sul-coreanos.
Era a primeira feira internacional realizada após a independência e marcava a prosperidade que o país estava a atravessar e era catalogado como um dos quatro tigres da Ásia.
Quase uma década depois voltou a ter o mesmo tipo de evento, a Expo 2012 em Yeosu
Daejon fica a quase 170 km de Seul.
A deslocação foi num autocarro e permitiu ver como a Coreia estava a deixar de ser um país pobre.
Muito industrializada, com inúmeros carros e carrinhas a circular nas vias rápidas. Poucas zonas rurais.
A maior parte dos agregados populacionais tinham uma dimensão considerável.
A Expo 93 era igual a muitos outros eventos deste género.
O epicentro visual e, também o ícone, era a Tower of Great Light .
Era um espaço amplo, de 25 hectares, com muitos visitantes.
A particularidade que mais registei é uma das marcas orientais: a simpatia do anfitrião, o prazer, e o requinte, ao receber visitantes. Tudo muito bem cuidado, cordialidade e atenção na resposta a qualquer pergunta. Em última instância, um sorriso.

O tema da exposição, “The Challenge of a New Road of Development” tinha também a ver com a imagem que a Coreia pretendia transmitir à comunidade internacional.
A arquitectura não era, por isso, tradicional. Pelo contrário, edifícios modernos, com materiais recentes.
Alguns tinham uma inspiração oriental mas a ideia central era projectar a imagem de modernidade, domínio da ciência, tecnologia e cosmopolitismo.
Alguns dos ícones da Expo de 93 perduram na comunicação da cidade e o espaço é hoje um parque.
O regresso a Seul foi já de noite.
Alugámos uma carrinha mas o motorista achou melhor parar.
Dormimos num hotel à beira de estrada. Numa estação de serviço.
Passava da meia-noite e não havia alternativa. Um quarto muito, muito pequeno. Armário e cama de madeira com muitos anos de uso e um telefone que raramente funcionava. O contrário da imagem que projectavam em Daejeon.
A dormida foi curta. Obrigatório madrugar para partir de manhã para Tóquio.