Era possível comer um gelado em Lisboa antes da invenção do frigorífico. Uma das possibilidades era através do trabalho dos neveiros, que faziam gelo em sete poços no alto da serra da Lousã, no lugar de Santo António da Neve.

A neve e o gelo eram colocados em poços profundos de xisto. Depois a neve era calcada e formava-se num enorme bloco de gelo. O poço era tapado e conseguia-se conservar o gelo durante alguns meses.

Chegados os dias mais quentes, na descrição de Sónia Tomás, da Casa do Tempo, em Castanheira de Pêra, o gelo era cortado em cubos e transportado para Lisboa. Seguia em caixas de madeira e a primeira parte do percurso era por estrada. A última fase da viagem era em barcos no Tejo.

O gelo era guardado no café que hoje é o Martinho da Arcada, no Terreiro do Paço. Na altura teria a designação de “Casa da Neve” e era propriedade do neveiro mor da Casa Real, Julião Pereira de Castro. Outro café que também tinha a mesma função era o “Café do Gelo” que ainda hoje existe no Rossio.

Os poços neveiros são de xisto e o que está à superfície ainda tem um tamanho considerável. Conforme se pode ver nas fotografias de Jorge Nunes são estruturas fortes e com neve ficam muito bonitas. O muro arredondado e a cobertura em lajes de xisto revelam a preocupação da qualidade do empreendimento. Não se podia falhar nas guloseimas do rei e da corte que se deliciavam com o gelo, em especial no final do século XVIII.

Os poços estão classificados como Imóvel de Interesse Público.
Os poços podem-se visitar. Foram recuperados em 1986. Ficam próximos da capela de Santo António. É uma capela pequena e foi mandada construir pelo neveiro-mor da casa real. Na parede está a placa sobre o “glorioso Santo António de Lisboa” e quem a mandou fazer em 1786.

Os poços chamam-se neveiros, o mesmo nome que era dado às pessoas que tinham esta atividade sazonal, apenas quando nevava. As famílias iam para a serra. Mulheres e crianças recolhiam a neve que era colocada nos depósitos. Os homens calcavam até formar gelo.

Em Portugal só havia produção de gelo em Santo António da Neve e na Real Fábrica de Gelo na serra de Montejunto, que está classificada como Monumento Nacional.
O neveiro foi uma profissão que existiu até ao inicio do século XX

Santo António da Neve fica na freguesia de Coentral e a mais de mil metros de altitude. Não fica muito longe de Trevim, o ponto mais alto da Serra da Lousã.
O miradouro oferece uma vista fabulosa, nas palavras de Sónia Tomás e o percurso ao longo da encosta da serra permite também descobrir flora e fauna diferente do vale.

Há por exemplo veados que na altura do acasalamento se dão a conhecer com o brama, o som que emitem. O acesso ao topo da serra pode ser feito por carro.
O gelado da Lousã antes da era do frigorífico faz parte do podcast semanal da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e pode ouvir aqui.
A emissão deste episódio, O gelado da Lousã antes da era do frigorífico, pode ouvir aqui.
O Vou Ali e Já Venho tem o apoio:
Já visitei a Real Fábrica do Gelo em Montejunto e achei interessantíssimo. Um trabalho muito específico e muito duro. Não conheço a de Coentral mas quero conhecer. Já andei por essa zona do Centro do País algumas vezes mas ainda não se proporcionou a visita ao Coentral que penso ter interesse histórico também na área de fábricas de tecidos e, atualmente, os Passadiços da Ribeira das Quelhas. Talvez na próxima Primavera.
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