Portas de Ródão: A viagem ao tempo dos últimos elefantes na Europa

É enorme o espelho de água!
É tão fina a linha que separa a luz do mistério; o claro do opaco; os reflexos da penumbra; as cores vivas do escuro profundo.

Toda a natureza é monumental. A nossa presença irrelevante.
O barco balanceia entre o perene e o efémero.

São inúmeras e contrárias as sensações quando atravessamos as Portas de Ródão.
Lentamente, ao sabor da corrente do Tejo. A vazão é ditada pelas paredes escarpadas da serra das Talhadas, por vezes com inclinação superior a 50 %.

As cristas quartzíticas assemelham-se à couraça de dois monstros curvados que saciam a sede na água do rio.
É entre eles que vamos passar. No entanto, o som ligeiro da água avisa-nos que é o rio que dita os remoinhos da viagem e que é virtual a serenidade do espelho de água.
Muitos perderam a vida por esse engano.

O barco de turismo, que nos leva a partir do cais de Vila Velha de Ródão, é seguro, confiamos na experiência do homem do leme, mas a principal diferença com o passado é que, hoje o Tejo é um rio domado. Não dominado. As fúrias são controladas pelas barragens.

No caso das Portas de Ródão, o Universo é o arquiteto do projeto hidráulico que está em permanente construção há 2,5 milhões de anos, quando o Tejo se moldou a novos percursos. Um jogo sem intervalo entre os elementos naturais. Com resultado incerto.
Como a nossa perspetiva que varia consoante nos aproximamos do estreito.

“É uma incisão a golpe de machado, mais de 250 metros a prumo, 45 metros de largura mínima”, escreve o geólogo Carlos Neto de Carvalho em OS GEOMONUMENTOS DO GEOPARK NATURTEJO MUNDIAL DA UNESCO
Na travessia a largura do rio não tem medida porque é esmagada pela altura e inclinação da superfície quartzitica.

Antes, pouco depois de passarmos por debaixo da ponte rodoviária, o olhar é em frente, para as barreiras naturais do horizonte e os reflexos no rio orientam o leme.
Quando da travessia somos cabeças no ar, irmãos gémeos dos grifos que sobrevoam as Portas, seus abrigos naturais e seguros.

Quis o arquiteto do Universo, com a conjugação de várias falhas geológicas,  que no presente seja esta a forma com que se abrem as portas que durante milénios os nossos antepassados consideraram um lugar mágico, sagrado, o centro do Mundo.
O cenário era mais persuasivo sobre a força do Universo.

Há alguns milénios, após a passagem, esperava-nos uma enorme cascata.
A profundidade do leito do rio mostra que a queda de água teria uma força impressionante.
O leito do rio também seria mais alto, algumas dezenas de metros,  e menor o efeito da erosão nas Portas.

Nessa altura, 30-40 mil anos, a caminhar para o fim da última grande glaciação, ainda andavam por aqui rinocerontes e os últimos elefantes europeus. Os Elephas antiquus tinham cerca de 4 metros de altura e 13 toneladas de peso.

Na Estação Arqueológica da Foz do Enxarrique, na confluência da ribeira com o mesmo nome e o Rio Tejo, foram encontrados vestígios ósseos dos rinocerontes, dos últimos elefantes europeus, cavalos e auroques, que constituiriam alimento do homem de Neandertal.
Encontraram-se também artefactos em pedra lascada, que terão cerca de 30 mil anos.

A Estação arqueológica fica mesmo ao lado do cais fluvial de Vila Velha de Ródão.
Podemos circular pelo espaço que está sinalizado e com informação detalhada sobre os achados arqueológicos e o contexto de história natural.

O local é também um bom ponto de observação do rio Tejo e terá sido igualmente aproveitado por militares que nos dois últimos milénios utilizaram este caminho para a invasão da costa ocidental da Península Ibérica.

As Portas de Ródão foram classificadas Monumento Natural em 2009 e a Foz do Enxarrique está protegida como Imóvel de Interesse Público.

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