Chegar de avião a Calafate já revela muito do que nos espera: a natureza domina nas formas e nas cores e o elemento central é a água, de cor azul esmeralda.
Primeiro com o Lago Argentino, depois com Perito Moreno e os restantes glaciares.
Espantoso e inesquecível.
O avião serpenteia a ampla estepe amazónica com o horizonte dominado por algumas montanhas.

A cor castanha da terra escurece em alguns pontos devido a vegetação rasteira e vales que rasgam a crosta. Com o aproximar de Calafate , surge uma linha serpenteada, de cor viva, esmeralda, que contrasta com o castanho seco. Uma cobra azul.

O avião fez uma curva e de repente o azul enche o horizonte. É o Lago Argentino.
É tão viva e forte a tonalidade que oculta os edifícios de Calafate. Ficam até sombrios.
Com a saída do avião deparámos com um outro elemento que marcou com frequência a visita à Patagónia: o vento. Levantava poeiras e nuvens castanhas que circundavam algumas casas mais desabrigadas.
A cidade não é muito interessante. A via principal tem bancos (não era fácil levantar dinheiro), bares, restaurantes, artesanato e serviços para turistas.

Durante o dia não há muita gente nas ruas. Com o regresso das excursões ao final da tarde, aumenta o movimento e os restaurantes costumam encher.

Muitos hotéis ficam fora do perímetro urbano, nas enormes montanhas que circundam Calafate e a protegem do vento inóspito.
Quem fica por aqui tem uma excelente paisagem natural mas o espaço é pouco convidativo para passear e com muita poeira.
Na verdade, Calafate funciona essencialmente como plataforma para deslocações aos parques naturais.

Para visitar na cidade há o centro administrativo do Parque Nacional Los Glaciares
onde, além de informação sobre como visitar o Parque, tivemos ainda oportunidade de ver uma exposição fotográfica sobre os povos originários desta região da Patagónia.
Sob o lema “alma roubada”, a exposição revelava a forma como os indígenas foram tratados pelos colonos europeus, o registo fotográfico a partir do final do séc. XIX que tinha como regra criar a impressão de gente selvagem, exótica (para as imagens terem sucesso na Europa) e como estas comunidades se desagregaram com as doenças (varíola) e um forte contributo do consumo do álcool. Em consequência, perderam as suas terras para os colonos latifundiários que subornavam o Governador.
Em Porvenir, na parte chilena da Patagónia, tivemos conhecimento de uma narrativa igualmente dramática com os índios Selknam.
Uma outra particularidade: os locais que vemos hoje nas ruas têm muitas semelhanças físicas com os índios do final do séc. XIX, estatura pequena, face redonda e pele mais escura.
Na parte exterior da intendência há um pequeno jardim com alguma da flora da região e com peças antigas. Bombas de água, bombas de gasolina e a popa de uma embarcação. Tivemos ainda oportunidade de ver no auditório um excelente vídeo com imagens aéreas dos glaciares.
Recomendo que veja o vídeo, se ainda estiver em exibição, só depois de ver os glaciares.

Um outro espaço que vale a pena visitar é a reserva natural Laguna Nimez,
que fica entre Calafate e o lago Argentino, próximo de uma baía que no inverno congela e permite fazer patinagem. Estive lá duas vezes. Para se chegara Reserva a partir do centro da cidade ainda se tem de caminhar um pouco mas vale a pena o passeio para se ter um retrato mais fiel da forma como vivem os locais.

Ruas com casas tradicionais de madeira e com pátios e quintais por onde andavam cavalos. Muitas ruas de terra batida, em algumas partes os passeios estavam rodeados de vegetação, em outros lugares a rua era uma continuidade dos terrenos limítrofes onde entravam e estacionavam veículos automóveis.
Ao fundo vi a rotunda com um parque infantil e jovens a brincar com cães atrás.
Pouca gente a pé. Quase todos se deslocavam por aqui de carro.

Junto ao muro do parque, uma mulher aproveitava o sol e contemplava o horizonte.
Umas dezenas de metros abaixo estava sentada nas escadas uma outra mulher. Pintava. Em frente tinha as cores vivas da reserva e ao fundo o azul esmeralda do lago Argentino.
Como o céu estava carregado de nuvens era espectacular o reflexo nas águas do lago.
O acesso à reserva custou 100 pesos. A visita foi por caminhos já definidos, com apoio informativo e com miradouros para observação da grande diversidade de aves. Algumas são migratórias.

Devido à humidade, esta é a zona com mais diversidade na flora e mais colorida. Nada tem a ver com a cor da terra que domina a estepe patagónica.
Os lagos, as aves e as cores outonais das plantas contribuem para a beleza da reserva.

É possível passar para o areal junto ao lago. Afinal a água não é muito fria. Levei as mãos à água com a expectativa de sentir o gelo, mas não.
As pedras, pequenos seixos amarelados, são muito leves, todos polidos. São frágeis, um deles partiu-se na minha mão. Deduzo que a falta de minerais da água que vem dos glaciares e torna a cor esmeralda também produz efeito nas pequenas pedras que estão na margem.
No lago havia também muitos flamingos, mas afastaram-se quando nos aproximámos.

Calafate funcionou como ponto de partida para várias viagens. Quando do regresso das deslocações, ficou o hábito de recuperar energias na fábrica de chocolate Laguna Negra. Passou, aliás, a ser um ritual. Escrever as notas do roteiro de viagem com um excelente chocolate na Laguna Negra.
A terrível necessidade de fazer opções, e não encurtar a viagem na parte chilena da Patagónia, levou-nos a adiar a ida a Chalten a capital do trekking e do deslumbrante Fitz Roy. A viagem de carro até Chalten demora cerca de três horas mas só dá para ver ao longe o monte Fitz Roy. A incursão no interior do parque, com caminhadas, é que valia a pena.
Fica para a próxima.

Para ocupar meio dia, fizemos os Balcon de el Calafate num veículo todo o terreno com janelas amplas e cerca de duas dezenas de lugares sentados.
O percurso era de três horas, com uma subida íngreme da montanha que protege Calafate dos ventos, o cerro Huyliche.

Aqui temos uma vista magnífica para a zona urbana e o Lago Argentino.
O ponto mais alto do cerro tem escarpas vertiginosas e a cor da pedra fica linda com o pôr do sol.
Outro ponto interessante do percurso é uma encosta imensa com um teleférico (no inverno é uma estância de esqui) que desagua num vale onde estavam cavalos a pastar.

Do outro lado estava o Labirinto de Pedra, uma formação do período Cretáceo, que remonta a 85 milhões de anos.
A descida pelo Labirinto é numa zona arenosa e a textura das pedras gigantes é singular. No centro do vale está uma casa grande, um refúgio que nos albergou para uma pausa com chá, café, chocolate e uma madalena.

No regresso a Calafate estão os sombreros mexicanos e foi-nos dada uma explicação sobre a origem deste processo que cria na rocha a forma de um sombrero.

O terminal rodoviário de Calafate é um dos principais centros de distribuição de passageiros na patagónia argentina.

Grandes empresas como a Bus-Sur, a Zaahj e a Taqsa têm aqui um escritório e o pequeno edifício estava sempre cheio de jovens.
Não é fácil adquirir bilhete para o próprio dia. Convém reservar com alguns dias de antecedência. Por exemplo, no nosso caso, o objectivo era partir para Puerto Natales e os bilhetes estavam esgotados nos três balcões que tinham autocarros para este destino.

Tivemos de optar por uma ligação da Bus-Sur com paragem de duas horas em Esperanza.
Até acabou por ser divertido. O autocarro estava repleto de mochileiros e a viagem até Esperanza foi rápida. À saída de Calafate estava muita gente a pedir boleia.
O percurso permitiu ver a estepe patagónica, com a estrada a cortar o horizonte árido.
Uma linha cinzenta no meio do amarelado da vegetação rasteira.
Vimos também carrinhas da Prossegur a transportar dinheiro. Pois é, como se faz a manutenção e distribui o dinheiro nas máquinas automáticas em localidades tão distantes?!

Os 150 km até Esperanza fizeram-se bem, a estrada é asfaltada, tinha algum movimento e deu para uma condução sem problemas.

Esperanza resumia-se a uma bomba de gasolina, polícia, ambulância, uma estalagem/restaurante e um pequeno largo com venda ambulante e camiões parados. Nada mais.

Após as duas horas de espera, nova viagem até à fronteira.
Começou a ser mais interessante o horizonte avistado, com a estepe a dar lugar aos Andes que iam escondendo o sol. A etapa seguinte era a Patagónia chilena.

Em Calafate ficámos no Hotel La Loma
É agradável, com um jardim interior, piscina de água aquecida, e com decoração rústica.
Os quartos têm janela para o exterior e estão bem apetrechados.
Acolhimento simpático, ofereciam chá com bolos ao final da tarde, reconfortante para quem regressava do frio e do vento.
O La Loma fica muito próximo da rua principal, a calle Libertador.
As refeições foram variadas. Há muita escolha, desde os restaurantes tradicionais com o cordeiro assado a fast food e comida tradicional, mas feita em restaurantes mais discretos, não para turistas endinheirados.
Ver ainda:
Caminhar no Perito Moreno
As muralhas gigantes dos glaciares no Lago Argentino
Galeria de Fotos